Entrevistamos Luciana Lessa, médica, COO e Cofundadora da Medicinae Solutions, parceiro Zoop de soluções financeiras para a área de Saúde, para entender por que ainda há grande desigualdade de oportunidades e salários entre gêneros.

Para ela, algumas questões têm impacto, como: as mulheres com filhos, licença maternidade ou seria licença paternidade? Falou também sobre a questão de que mulheres em cargo de liderança precisam endurecer e por isso acabam deixando de lado sua feminilidade e delicadeza para se sentirem pertencendo ao contexto masculino, e o por quê isso acontece. 

E também o contexto histórico, que impõe múltiplos papéis – o de mãe, esposa, e principal executora dos serviços domésticos – causando um grande conflito interno para equilibrar tudo isso. 

Confira agora a entrevista completa e veja o que ela nos conta sobre como esses temas impactam a carreira das mulheres: 

 

Pode-se dizer que para as mulheres ainda é mais difícil subir na carreira do que para os homens? A que você credita isso?

Luciana – Durante de toda a minha formação, eu estudei em Colégio Militar, especificamente na 2°  turma de mulheres do colégio militar do Rio de Janeiro. Quando acabei o colégio, fiz faculdade de Medicina na UFF (Universidade Federal Fluminense) e depois da faculdade ingressei na HGNI (Hospital Geral de Nova Iguaçu – RJ) para fazer residência em Cirurgia Geral e novamente esbarrei em um cenário predominantemente masculino. Dentro do período de residência médica eu era a única mulher do meu ano e todas as discussões de casos clínicos aconteciam dentro do banheiro masculino. E eu achava isso de uma certa forma normal. 

Em 2010, fiz MBA de Executivo em Saúde na FGV (Fundação Getúlio Vargas – RJ) onde também a maioria das turmas eram compostas por homens. Durante muito tempo eu achei que eu ser a minoria de um lugar me qualificava. Eu achava que eu era melhor, que eu era tão boa quanto. E na verdade, não era isso. Eu escolhi e batalhei muito por algumas oportunidades que algumas mulheres não tiveram toda possibilidade, força e apoio suficiente pra chegar aonde eu cheguei. Por isso, acabou que passei grande parte da minha vida sendo minoria, por ser a única mulher nos lugares. 

E é complicado porque isso foi um mindset que eu mudei de uns anos pra cá. Porque era sempre tido com exceção de qualquer coisa. E a exceção me dava como se fosse uma premiação de qualificação que durante muito tempo me deixou míope também. E hoje, percebo diante disso que na verdade eu tive o acesso que todas as outras mulheres não puderam ter. 

Pode se dizer que para as mulheres é ainda mais difícil subir na carreira do que para o homens? Qual a sua visão sobre isso? 

Luciana – Acho sim que é muito mais difícil subir na carreira sendo mulher do que homem, principalmente porque você tem ainda como um decisor, um gestor, um superior e na grande maioria das vezes essa figura é quase que prioritariamente masculina. E na hora de fazer uma escolha você ainda tem que ser muito melhor que os outros pares. 

Você tem que ter sempre um desvio padrão muito pro lado da excelência para ser reconhecida e ser promovida perante um homem. Hoje em dia, você tem poucas empresas onde você tem uma escolha que seja 100% baseada na meritocracia, onde o gênero não faz mais diferença. Isso é muito difícil. 

Eu mesma antes de algumas situações que eu já vivi na minha vida profissional, me encontrava em um cargo onde seria promovida a gerente e eu escutei de algumas pessoas comentários como “porque não promove o Dr. fulano de tal,  ele estava aqui há mais tempo”. 

Na verdade, as pessoas queriam usar o critério de tempo  para não ser tão claro dizendo que era um critério de gênero. E eu acredito ainda que hoje que esse argumento é uma das principais causas dessas promoções serem tão diversas sendo mulher do que homem, existe ainda a ideia coletiva de que a mulher é mais cara,  ou que a mulher em algum momento vai engravidar e ser mais custosa. Como se essa pessoa depois que tivesse filho esquecesse tudo o que ela aprendeu, como se pela maternidade ela se transformasse em outro ser. 

É claro que a maternidade traz mudanças no corpo e na cabeça,  mas na vida profissional ela tem um olhar que ainda tem muito mais a agregar. Isso acontece também porque a grande maioria que escolhe a promoção, o decisor dessa promoção ainda é estar em um cargo masculino.

Para exemplificar: um dia eu estava numa discussão com um amigo meu, eu tava na praia e ele falou que hoje em dia ele já vê igualdade. Aí eu comentei – Ah você vê igualdade? E ele respondeu: “é eu vejo igualdade, e vou no lugar tal e tem tanto homem quanto mulher.” – Aí eu continuei: mas você tem certeza que isso está em todo lugar? Porque os caixas de supermercado geralmente são mulheres. Mas geralmente quem é o gerente é o homem. Me explica qual a razão disso. Você acha que nenhuma daquelas mulheres têm a capacidade de subir na carreira? Porque um homem tem sempre que liderar as caixas de supermercado?

Fiquei assim pensando sabe que as pessoas acham que essa igualdade está em todos os lugares e níveis. Eu venho de uma faculdade que hoje em dia é bem mista. E aí dentro das áreas você acaba tendo funções específicas de homem pra um lado e mulher para o outro, por exemplo, a grande maioria que faz ginecologia e pediatria é mulher, assim como dermatologia. Agora a maioria que faz urologia é homem.  Fica o questionamento de porque ainda existem funções determinadas por gênero. 

 

Você acredita que as políticas de incentivo estão fazendo diferença para a redução de equidade de gênero? 

Luciana – Acredito sim que as políticas facilitem e tragam nesse momento um meio um estado de transição. Porque isso tudo é muito novo, a mulher vinha de direito nenhum e geralmente depois da maternidade ela era demitida ou se afastava de suas funções. Nos dias atuais, isso não pega muito bem para a reputação das empresas, a sociedade cobra mais postura das grandes e pequenas organizações. Então, é um processo de adaptação. 

Eu conheço o case da Accenture, onde uma amiga minha muito próxima me contou que a mulher depois que tem filho, pode estender pelo 1° ano de vida do filho, o trabalho home office. Outro caso bacana, é que a Gol Linhas Aéreas, tem uma iniciativa muito legal de que as funcionárias que possuem filho tendem sempre a dormir em casa, ou seja toda a escala é pensada garantindo que ela vá retornar para casa, o que facilita você amamentar e dar atenção para o filho por pelo menos os 4 primeiros anos de vida. 

É muito legal ver essas iniciativas de empresas que conseguem trazer a realidade de uma mãe trabalhadora, de uma mulher que tem filhos e uma vida pessoal de forma economicamente ativa. Agora, ainda falta muita coisa, as mulheres precisam chegar a cargos de liderança. A mulher que tem cargo de liderança acaba abdicando muito da vida pessoal, e isso não acontece na grande maioria das vezes com o homem.

Então, a gente tem que ter muita visão de produtividade e do que a gente quer dessa mulher e do cargo de liderança feminina. Responder a pergunta: ela precisa de uma pessoa boa com números ou que saiba lidar com pessoas? Isso aí tem todo um destrinchamento até do próprio cargo e é assunto para horas a fio. Mas acredito que a gente tenha muita oportunidade para alcançar.

 

Na sua visão, quais são os desafios que ainda precisam ser enfrentados? 

Luciana – É uma conta super difícil de se fazer, não é uma conta linear. Claro que a inclusão social e financeira da mulher trás cada vez mais benefícios para economia de uma forma geral, já que gira o capital do país.  Só que, ainda temos várias conjunturas atreladas, desde essa dualidade da mulher ter sempre um segundo turno de trabalho dentro de casa cuidando dos filhos, e muito mais complicado quando você olha num patamar de cultura. 

Sob a vertente da cultura brasileira, nós estamos vivenciando um momento em que estamos buscando a equidade, mas temos culturas no mundo inteiro em que a mulher ainda é inferiorizada. O fator econômico sempre é uma força motriz para várias mudanças. Mas eu queria que não fosse só o econômico. 

Hoje em dia, há pelo menos 20 anos, a mulher vem demonstrando a taxa de analfabetismo menor que o homem, mas isso não quer dizer que ela tenha mais escolaridade. Ainda se formam mais meninos no ensino médio. 

Mas ainda existem algumas tarefas exclusivas para a mulher e para o homem. A mulher entra muito rapidamente no mercado de trabalho, mas não necessariamente com um emprego formal, você tem muito “subemprego”, e outras áreas como a atividade doméstica que ainda é prioritariamente feminina. Vivemos alguns vícios culturais de que o homem sabe mais, está mais bem formado, pode fazer isso e aquilo. A gente ainda está pegando alguns resquícios dessa geração.

Lembro muito quando eu era pequena onde para ajudar a casa existia uma separação de tarefas domésticas onde eu por exemplo varria a casa e lavava a louça e meu irmão só colocava o lixo para fora, e isso tava mais que suficiente. Porque “tava justo”, não existia um rodízio e uma preocupação de que o trabalho é de todos e não porque é de casa que é de homem ou de mulher. 

E depois disso, você tem muita resistência de algumas mulheres em fazer certas atividades. Um bom exemplo é Programação, apesar de hoje em dia se ter mais abertura e incremento, acaba que culturalmente a mulher não tem interesse ou esbarra em muitas dificuldades. E isso se dá, muito pelo fato de que o homem gosta mais de jogos e tecnologia, como se não pudessem existir nerds femininas. 

E eu sei que existem exceções, conheço uma comunidade bem legal, chefiada por uma das nossas ex colaboradoras, de programadoras, mas sabemos que não são muitos os exemplos. Precisamos continuar buscando, e lutando por muitas frentes como o caso da regulamentação da licença maternidade em ser não exclusiva para a mulher.

O cenário ideal para mim é onde haja a inclusão do homem nesta licença a maternidade. Existe o exemplo, da Dinamarca em que você consegue ter 52 semanas de licença e quem escolhe quem será que ficará, se é a mãe ou pai é a família. E durante esse período você só precisa pagar 55% do salário da mãe ou do pai (quem estiver de licença). E isso ajuda na hora de garantir políticas públicas, ajuda a minimizar os impactos da maternidade que é o grande vilão aos olhos do empregador. Isso ajudaria a nossa economia, mas não é só isso, é necessário ter políticas de meritocracia independente do gênero. E por aí vai. 

 

Um rápido bate bola: 

  1. Ser mulher é:

Luciana – É uma constante transformação, estamos todos os dias aprendendo e temos uma capacidade enorme de ser moldável e flexível, a mulher é resiliente.

      2. Equidade de gênero é:

Luciana – Uma meta coletiva que estamos longe, muita gente pensa que igualdade e equidade tem o mesmo sentido, por exemplo: se o homem corre mil metros em 10 segundos a mulher também precisa fazer o mesmo. Mas não é bem assim, são corpos diferentes, situações distintas, tem que ser justo analisando o gênero de cada um. É diferente de você pedir igualdade extrema, igualdade é para o ser humano de uma forma geral, entre gênero a gente busca equidade mesmo.

     3. Diversidade é:

Luciana – Na minha visão, é enriquecedor. Somente tendo empatia conseguiremos ter uma sociedade cada vez mais igualitária. É preciso ter o olhar e se colocar no lugar do outro, só assim é possível abrir várias portas e janelas para caminhos antes não percebidos.

     4. Ser líder mulher é:

É duro, é difícil, é uma guerra todo dia, a gente não precisa endurecer para mostrar competência todos os dias.

    5. Uma referência feminina é:

Luciana – Minha tia, Carmem. Ela era filha de doméstica e alfaiate, estudou numa época em que os negros tinham que ficar no fundo das salas de aula. Elas nunca eram chamadas para hastear a bandeira ou ser representante de turma e eu sempre ouvi esses relatos com muita dor. Mas diante dessas adversidades, ela viu o estudo como uma fonte de saída e para um futuro melhor.

Ela não só estudou como fez faculdade, era mais velha, e com isso também forçou todos os irmãos a estudarem. Logo depois, na década de 80, ela virou coordenadora de Desenvolvimento da SUDENE (Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste). 

O papel dela foi muito relevante para muitas famílias pobres. No final da carreira dela ela conseguiu implementar mais de mil poços artesianos para famílias de baixa renda no interior do Maranhão, então sempre tive ela como uma referência de mulher, força e fibra. 

   6. O que eu mais escutei foi:

Luciana – Você consegue fazer isso e aquilo porque não tem filhos, e isso eu escutei mais das mulheres do que dos homens, por incrível que pareça. O que eu mais gosto de ser mulher é poder ser o que eu quiser ser, inclusive ser bem feminina, adoro poder me maquiar e me transformar cada dia. Eu acho que sou uma mulher diferente e eu acho que a mulher tem muito essa labilidade, ela muda conforme a situação, quando é preciso correr a gente corre, quando é preciso virar a noite a gente vira, quando é preciso ser mãe se é, e é mais ou menos isso que me dá muito orgulho, fazer muita coisa que muito homem não consegue fazer. 

 

Qual a mensagem que vocês quer deixar para todas as mulheres?

Luciana –  Acredito muito numa mudança, mais rápida do que a minha geração pode ver. Mas, ainda acho que existe um caminho muito grande a ser percorrido. O importante é ter sororidade com as nossas semelhantes e fazer uma análise racional de que a mulher que chega em um cargo de liderança entenda que ela tem o papel de conscientizar e trabalhar conceitos e quebrar paradigmas para que as próximas gerações de líderes pensem diferente.

Para que aos poucos a gente enxergue que não é necessário ter que ter o viés de superação para ser uma exceção, mas sim é preciso merecer. Que sejamos avaliadas por nossa produtividade e entregas. E uma coisa que percebi é que a mulher que chega no comando ela acaba endurecendo, pois ela precisa se impor para se igualar aos seus pares. E eu discordo disso, você pode continuar sendo mulher, sendo delicada, feminina e ser uma excelente líder. 

 

Se quiser saber um pouco mais sobre a parceria  Medicinae Solutions e  Zoop, clique aqui.

2.1/5 - (32 votes)

Se informe com a Zoop!

Se inscreva na nossa newsletter e receba os nossos conteúdos.